Mais um testemunho, na primeira pessoa, da Catarina, dos Dias de Uma Princesa
"Muito se tem escrito e culpado o presumível autor de um grotesco ritual de praxe na praia do Meco. Não sei o que aconteceu e, sendo mãe, nem sequer consigo imaginar a dor dos pais que perderam os filhos. Querem uma explicação e merecem-na porque será um ínfimo contributo para fazerem um luto que é eterno.
Tenho pena do sobrevivente e (talvez) autor daquela barbaridade. Sim, pena. Viverá o resto da vida com aquela imagem e com a culpa. Acordará a meio da noite com ataques de pânico e uma angústia indescritível. Se pudesse falar com ele pedia-lhe que falasse, pelas famílias, mas também por ele. Não se vive com um segredo daqueles, vai-se morrendo devagarinho.
As praxes são o bullying dos universitários. Mas aquilo que foi vivido no Meco, se corresponder aos factos descritos na comunicação social, é uma coisa diferente: é a praxe para lá da praxe, a praxe que concede estatuto numa hierarquia, é sofrer para poder ser o próximo a fazer sofrer. Ao contrário da praxe é uma humilhação consentida, um sofrimento aceite.
O objectivo não é encontrar a culpa nesta história específica, embora os pais que perderam os filhos precisem disso. O objectivo é perceber a base de um problema mais geral.
É como o homem que pratica violência doméstica porque um dia foi vítima de maus tratos. É o abusador que foi abusado em criança. Podemos odiar o crime, podemos encontrar atenuantes na história de vida mas nunca poderemos aceitar os factos. E a base é a praxe.
O bullying é crime, a praxe é crime. Qualquer ato que envolva coação psicológica, humilhação e violência física ou verbal é um crime. Não é um ritual ou uma tradição, é apenas um crime.
Quando, em 1996, entrei para o curso de economia no ISEG, no primeiro dia de aulas encontrei uma faculdade cheia de cartazes do MATA. Percebendo os objectivos do tal Movimento Anti Tradição Académica pensei “chatos”, “que disparate”. Bastaram poucos minutos para dar razão à existência daquele grupo de pessoas a quem hoje agradeço a força que deram a muitos dos meus colegas para dizerem “não”.
Foi fácil para mim, rodeada de amigos, a viver perto, dizer “não”. Mas essa não era a realidades de muitos dos meus colegas que estavam a centenas de quilómetros de casa, pela primeira vez numa cidade grande, dependentes daquele espaço para estudar, almoçar e jantar. A sigla é a pior possível mas hoje agradeço a sua existência."
Dias de Uma Princesa
Também fui praxada e dei a minha opinião no meu blog também. No meu caso, nunca existiu humilhação, apenas jogos. E acho que a praxe é para isso e não para entrar em rituais ou seitas malucas.
ResponderEliminarQuanto ao estudantes do Meco, infelizmente, acho que todos tiveram 'culpa'. Eram todos adultos e maiores de idade e há coisas pelas quais não se arrisca a nossa vida. Foi um acto de irresponsabilidade.
Concordo com o que a Catarina disse acerca do sobrevivente. Não consigo imaginar como algum dia ele conseguirá ultrapassar esta situação e de certeza que se sente culpado por tudo.
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