Miguel Esteves Cardoso e Maria João Pinheiro em 2007 |
Esta crónica partiu-me o coração. Esta história triste, esta tocante declaração de amor. Toca a quem a lê.
A mim toca-me muito. Dói-me muito. Por ser a Maria João. A doce e alegre Maria João, colega de carteira na escola secundária. Há 25 anos lutávamos juntas para conseguir uma boa nota nos testes de matemática. Hoje lutas contra um inimigo mais assustador, mais dominador e cruel que a própria matemática. Batalhávamos por uma nota que iria determinar o curso que poderíamos tirar, a vida que iríamos ter. Hoje batalhas pelo que decide a própria VIDA. A esta distância envio-te um abraço apertado. Os desejos de que tudo corra o melhor que for possível correr. Tem muita força e determinação. Vamos esperar que juntos, o amor e a sabedoria médica, consigam o milagre de te salvar. Um grande beijo.
“Às vezes encontramo-nos com a cabeça nas mãos. Tudo o que poderia ter corrido bem correu mal. O mundo, que era igual à vida, afasta-se de repente. Distancia-se e continua a existir, como se nada tivesse a ver ou a haver connosco, como se fizesse questão de mostrar a independência dele, mundo, que não existe só porque nos damos conta dele. A má notícia é má, mas a pior, para quem cá está, é a pessoal. A minha pessoa é a Maria João e a Maria João passa mal. Nem o amor nem a sabedoria médica a podem salvar. Só uma conjunção das duas coisas, mais um acrescento de milagre. O cabrão do cancro alastra-se. Exterminado no pulmão ou na mama, foge para o cérebro, onde se refugia e cresce. Forma uma força da morte, aproveitando as barreiras antigas entre o sangue e o cérebro, que infiltra conforme lhe apetece. Hoje, domingo, é o último dia em que estaremos juntos, dois amores, felizes há quase vinte anos. Amanhã, logo às nove da manhã, estaremos na consulta dos excelentes neurocirurgiões do Hospital de Santa Maria, onde nos avisarão das complicações possíveis. Obama deveria inspirar-se na perfeição clínica e humana do serviço de saúde português e francês. Mas a dor não diminui. Nem a tristeza abranda. Vai morrer o meu amor. Não vai. Como o meu amor por ela, nunca há-de morrer. As coisas acontecem sem acontecer o pensamento nelas. A alma, o coração e a cabeça são coisas diferentes. Que se dão bem. E são amigas. E deixam de ser quando morrem.”
Miguel Esteves Cardoso, in Público, 29 de Abril de 2012
A vida é mesmo senhora do seu nariz, tem tanto de boa como de má e cruel!
ResponderEliminarE quando toca ser cruel só nos restas esperar que nos volte a sorrir.
Uma crónica que toca bem fundo.
Um beijinho,
Sandra Campos
Obrigada amiga.
EliminarTu também uma grande lutadora e vítima desta crueldade da vida.