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9 de janeiro de 2015

Miguel Esteves Cardoso: Je Suis Charlie

Miguel Esteves Cardoso

Mais uma crónica memorável de Miguel Esteves Cardoso.
Quem será o primeiro idiota entre nós a dizer que a culpa foi dos assassinados da Charlie Hebdo? Tem todo o direito de dizê-lo. É isso a liberdade de expressão. Ser-se estúpido também é um direito. Até os assassinos o têm.


Não se percebe a gabarolice dos estúpidos assassinos quando gritaram "Matámos a Charlie Hebdo".

Não se pode matar a Charlie Hebdo. Não se pode matar a valente e hilariante revista que goza com tudo e com todos desde os tempos em que se chamava Hara-Kiri. Muitos poderosos tentaram censurar os satíricos da Charlie Hebdo. Nunca conseguiram. Nunca conseguirão.

O que se pode matar é a liberdade de expressão. Ou reforçá-la: foi o que fizeram os estúpidos assassinos que reagiram a desenhos satíricos massacrando os autores com metralhadoras. Desencadeou-se imediatamente uma onda de solidariedade francesa e internacional para reafirmar a liberdade de expressão.

Os mais perigosos inimigos da liberdade de expressão são pessoas inteligentes e bem-intencionadas que publicamente pedem tratamento especial para a religião islâmica (ou qualquer outra religião) para não "ferir susceptibilidades" ou "fazer provocações". São pessoas liberais que defendem calmamente a protecção das sensibilidades muçulmanas através da violação da liberdade de expressão, por muito civilizada e politicamente correcta que seja a forma de censura que propõem.

Mostraram-se quando foi o caso de Salman Rushdie e mostrar-se-ão outra vez dentro em breve. Quem será o primeiro idiota entre nós a dizer que a culpa foi dos assassinados da Charlie Hebdo? Tem todo o direito de dizê-lo. É isso a liberdade de expressão. Ser-se estúpido também é um direito. Até os assassinos o têm.

Miguel Esteves Cardoso, in Publico

1 comentário:

  1. Está corretíssimo.
    Infelizmente não demorou muito tempo para aparecerem esses idiotas.
    E infelizmente - podes ver no meu último post - a Alemanha é o primeiro país Europeu de «pessoas inteligentes e bem-intencionadas que publicamente pedem tratamento especial para a religião islâmica». Talvez por carregar o estigma de ter sido o berço do Nazismo que exterminou milhares num autêntico Holocausto.

    Ainda vai acabar por conseguir repetir a dose por ser demasiado condescendente e regredir socialmente para agradar um povo opressor, pouco compreensivo ou tolerante.

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