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12 de junho de 2012

Desmorrer, Miguel Esteves Cardoso

Miguel Esteves Cardoso e Maria João Pinheiro
A Maria João está bem. A lutar e a acreditar novamente na vida. Novamente. São as notícias que Miguel Esteves Cardoso nos trás, através da sua crónica.

Eu pensei muito na Maria João. Torci muito para que ultrapassasse a cirurgia e recuperasse bem. Ainda desejei muito que vencesse o cancro. Esse maldito que mesmo sem ter o direito, toma a vida das pessoas. Espero que me tenha ouvido e que expulse esse horror de dentro de si.

Desmorrer

"Desta vez, a Maria João teve sorte. Nunca tinha visto uma médica a chorar. Foi a Maria João que puxou as lágrimas, quando a Dra. Teresa Ferreira lhe disse que não havia mais metástases dentro dela. Ficámos os três a chorar e a olhar para os outros olhos a chorar.

A minha amada já tinha esquecido o futuro. Já não queria saber da casa nova, do tecido para forrar os sofás, do Verão seguinte. Estava convencida que estava cheia de metástases. Doía-lhe o corpo todo. Tinha desanimado. Estava preparada para a morte. Só a morte é mais triste. Tinha-se preparado para ouvir o que já sabia, para não se assustar quando lhe dissessem que o cancro na mama tinha voltado e que se tinha espalhado por toda a parte.

Depois - mas não logo, porque não é de momento para o outro que se desmorre - voltou a ver vida pela frente. Reapareceu um horizonte e um caminho até lá, com passos para dar. "São tão raras as boas notícias", disse a médica, "e é tão bom dá-las, vocês não imaginam". Nós não imaginámos. Começámos a chorar. As lágrimas ajudam muito. As dos outros especialmente. Chorar sozinho não tem o mesmo efeito. A Maria João tem chorado por razões tristes. Desta vez estava a chorar de felicidade.

Como chora cada vez que ouve ou lê palavras doces, a dar força, a partilhar a dor, a juntar-se para que ela saiba que há muita gente a sofrer com ela, tal é a vontade delas que ela não sofra. Ou sofra pouco. Embora isto de se ficar vivo também se estranhe um bocadinho."

Miguel Esteves Cardoso, in Público, 30 Maio 2012

1 comentário:

  1. já tinha lido, lindo! Que sorte tem esta mulher, com um marido que a ama mesmo...

    Maggie

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